América Latina busca avançar em processos justos e inclusivos de reciclagem

Buenos Aires (EFE).- Diante da crise ambiental global, a economia circular oferece soluções, mas nem toda reciclagem é justa ou sustentável. Na América Latina, estão surgindo modelos e abordagens que reconhecem e remuneram os catadores, como o conceito de “Tonelada Justa”, que orienta a transição para uma reciclagem mais inclusiva, com equidade social, ambiental e econômica.

A “Tonelada Justa” surge como uma abordagem da reciclagem inclusiva que busca medir e promover seu impacto ambiental, econômico e social, garantindo que esse processo não seja apenas sustentável, mas também justo para as pessoas que o tornam possível, especialmente os catadores.

Essa metodologia foi construída com indicadores internacionais, impulsionada na América Latina pela plataforma regional Latitud R, e aplicada por organizações de catadores em países como Colômbia, Argentina, Peru, Bolívia, Chile e Equador.

“A reciclagem tradicional é um modelo que não queremos replicar. É uma reciclagem marginalizada, invisibilizada e muitas vezes criminalizada. A ‘Tonelada Justa’ muda isso: reconhece o valor público da reciclagem, compensa aqueles que a tornam possível e coloca as pessoas no centro”, explicou à EFE Luis Miguel Artieda, responsável pela Estratégia Nacional da Fundação Avina no Peru e diretor da Plataforma Latitud R.

Metodologia de triplo impacto

Desenhada com base em padrões internacionais, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e os princípios da Taskforce on Nature-related Financial Disclosures (TNFD), a “Tonelada Justa” permite rastrear o impacto ambiental, econômico e social da reciclagem.

No aspecto ambiental, promove a redução de emissões de gases de efeito estufa e a regeneração de ecossistemas degradados. No econômico, incentiva empregos verdes e a inclusão financeira dos catadores.

No aspecto social, prioriza a equidade, a participação comunitária e a eliminação do trabalho infantil ou da exploração.

Romina Malagamba, antropóloga e responsável pela Unidade de Ciência de Dados da Fundação Avina, destacou a base científica sólida do modelo: “Os resultados geram uma oportunidade histórica. A ‘Tonelada Justa’ permite demonstrar que a reciclagem inclusiva não apenas protege o planeta, mas também combate a pobreza e responde a critérios de justiça climática”.

Em 2023, graças ao uso dessa metodologia por organizações de catadores em seis países latino-americanos, evitou-se a emissão de 150 mil toneladas de dióxido de carbono (CO₂), quantidade equivalente à emissão de mais de 33 mil carros em um ano, segundo a Agência de Proteção Ambiental dos EUA.

Na Argentina, participaram três cooperativas. Os Recuperadores Urbanos do Oeste (RUO), por exemplo, conseguiram recuperar, em 2022, 4.333 toneladas de resíduos, principalmente papelão, vidro e papel. Para isso, geraram 195,03 toneladas de CO₂ ao longo do ano, sobretudo pelo consumo de energia elétrica, mas evitaram a emissão de 9.713,45 toneladas de CO₂.

Mais do que reciclagem: inclusão, formalização e dignidade

Segundo dados da plataforma regional Latitud R, apenas 10% dos catadores da América Latina estão formalmente organizados, enquanto o restante continua trabalhando em condições precárias e sem reconhecimento legal.

A implementação da abordagem “Tonelada Justa” busca reverter essa situação por meio de indicadores verificáveis que medem o impacto real da reciclagem inclusiva na região.

“Estamos construindo indicadores concretos para medir esse impacto. Que haja separação na origem, rotas formais, pagamentos justos pelo material recuperado e uma compensação por parte do Estado”, detalhou Artieda, e acrescentou: “A reciclagem não pode continuar dependendo da precariedade”.

Urgência regional

A América Latina gera milhões de toneladas de resíduos por ano. Segundo Artieda, até 60% dos materiais recicláveis recuperados vêm do trabalho dos catadores. “Eles são os verdadeiros super-heróis urbanos, invisibilizados por décadas. Reconhecê-los não é apenas justo, é também eficaz”.

“A reciclagem, sozinha, não é suficiente. Só será uma ferramenta real contra a mudança climática quando incluir direitos, salários dignos e condições de trabalho seguras para quem a torna possível”, concluiu Malagamba, que enfatizou o papel do Estado e a necessidade de implementação de políticas públicas que apoiem esse modelo de reciclagem inclusiva e sustentável. EFE