Buenos Aires (EFE).- De recolher resíduos em Santiago do Chile, Soledad Mella ou a representar a América Latina nas negociações globais para redigir um tratado internacional que limite a poluição por plásticos. Como ela, cada vez mais catadores estão ando das ruas para as mesas de discussão onde se tomam decisões sobre o futuro do planeta.
“Hoje fazemos parte da negociação. Já não olhamos mais para a indústria do plástico de baixo para cima. Olhamos de frente e dizemos: ‘Vamos negociar. Quanto você vai me pagar pelas toneladas de material que posso lhe fornecer?’”, afirma Mella, presidenta da Associação Nacional de Catadores do Chile e integrante da Rede Latino-Americana e do Caribe de Catadores (Red LACRE), em entrevista à EFE.
A conversa aconteceu por ocasião do Dia Mundial do Meio Ambiente, comemorado nesta quinta-feira, 5 de junho.
De Panamá, onde participa do encontro regional do Grulac, preparatório para a fase final das negociações que ocorrerão em Genebra em agosto, Mella destacou o papel social, econômico e ambiental dos catadores de base.
Em busca de acordos internacionais
A executiva será a única representante do continente na quinta sessão do Comitê Intergovernamental de Negociação (INC 5.2), onde se buscará um instrumento jurídico vinculante para conter a poluição plástica no mundo.
Seu papel é levar à mesa da ONU as reivindicações daqueles que coletam, classificam e comercializam materiais recicláveis em condições precárias, mas com grande impacto ambiental.
Segundo estimativas da Avina, fundação que promove a reciclagem inclusiva, esses trabalhadores — muitas vezes invisíveis aos olhos dos governos — são responsáveis por mais de 50% das matérias-primas secundárias utilizadas pela indústria na América Latina e no Caribe.
“O reconhecimento precisa se traduzir em financiamento que fortaleça os processos”, afirma Romina Malagamba, responsável pela Unidade de Ciência de Dados em Reciclagem Inclusiva da Avina.
A fundação atua há duas décadas para integrar o conhecimento técnico e a experiência dos catadores, por meio de ferramentas como a Latitud R — uma métrica que calcula que cada tonelada de plástico recuperada evita a emissão de 1,27 tonelada de CO₂ equivalente.
Nesse contexto, as organizações de catadores defendem que o tratado sobre plásticos contemple três demandas centrais:
“Primeiro, o reconhecimento dos catadores de base como o elo inicial da cadeia ambiental. Segundo, que haja uma transição justa, permitindo que os catadores sejam incluídos nos modelos a serem financiados em nível nacional. E terceiro, que o financiamento chegue diretamente aos principais atores — nós, que mitigamos a poluição”, resume Mella.
No Brasil, onde a articulação entre catadores e o Estado já apresenta avanços significativos, o governo busca consolidar um sistema que inclua cerca de um milhão de coletores de materiais recicláveis, responsáveis por 90% da reciclagem no país.
“Criamos o programa Procatador e fomos a primeira delegação a incluir um catador como membro oficial nas negociações do INC”, explica à EFE Adalberto Maluf, ministro do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
Outras iniciativas
O Brasil também está promovendo a criação de mecanismos como o pagamento por serviços ambientais e decretos que reconhecem as cooperativas como atores-chave na gestão de resíduos.
Nesse contexto, propostas como certificados de reciclagem ou planos de investimento de cinco anos podem representar uma fonte estruturada de financiamento para o setor.
Mas a realidade ainda é desigual. Enquanto países como Chile, Colômbia e Brasil avançam com políticas de Estado, em outras nações os catadores continuam sendo criminalizados.
Diante disso, a presença de catadores nos fóruns globais — vindos das margens sociais — simboliza não apenas uma conquista, mas uma urgência. “Esse trabalho surgiu da pobreza, da necessidade, mas hoje entendemos que é um modelo de negócio”, diz Mella.
“Fomos visionários. Aquilo que muitos chutavam nas ruas, nós transformamos em valor”, acrescenta.
Segundo a catadora chilena, a maioria dos movimentos nacionais é liderada por mulheres.
“Cerca de 60% a 70% dos processos são conduzidos por catadoras de base”, afirma, e lembra que um único trabalhador pode coletar entre duas e três toneladas de resíduos por dia.
“Multiplique isso pelos mais de 40 milhões de catadores no mundo e você entende o impacto real”, conclui. EFE